
BIG x STOP
Por Sylvia Maria Marteleto (inimiga do povo?)
Todo bom leitor tem a consciência de que para validar a sua carteirinha literária, é necessária uma constante renovação de cota no clube da literatura. E esta renovação significa simplesmente que, geralmente, todo leitor assíduo tem uma boa quantidade de livros à espera de atenção.
Pois bem. Em minha lista de livros em espera, encontrava-se Martha Medeiros (indicada por uma vizinha). Cheguei até Medeiros por um tal de “Non-Stop”, que contém suas crônicas sobre o cotidiano.
Confesso que esperava mais. Mas, confesso que é Dorothy Parker quem me faz esperar equivocadamente muito das outras escritoras. Enfim, é desnecessário concordar que Parker e seu Big Loira estão a léguas de distância de muitas escritoras, no quesito originalidade. Mas, o pior é que ela está mesmo. Não é por acaso que sentimos mais saudades de personalidades culturais que se foram a mais de 30 anos. Talvez, seja o meu “preconceito” contra os bem vivos, a chave de leitura para este pseudo-ensaio.
Martha Medeiros começou bem. Mas, falta algo na terminação. Ela tem realmente bons momentos – diferente de momentos inesquecíveis. “O Autógrafo dos Anônimos”, “24 Horas de non-stop”, “Rótulos e Preconceitos”, “A Mulher e a Patroa”, “Como será a nova namorada dele?”, “Le Champagne” são partes muitas boas inseridas no estilo da autora.
Mas, em compensação (shut up Parker! Live me alone!)... Falta definitivamente algo. Um não-sei-o-quê, mas falta.
Enquanto Marta, sobre a relação homem-mulher, utiliza metaforicamente:
“Uns ficam, uns vão. Lutamos muito para ter o direito de tirá-los para dançar. Agora temos que aprender a ouvir ‘não, obrigado’ e não deixar que isto estrague a festa”,
Dorothy, na sua imbatível “A Valsa”, dispara:
“Não quero dançar com ele. Não quero dançar com ninguém. E, mesmo se quisesse, não seria com ele. Ele estaria no pé de uma lista dos dez últimos. Já vi como ele dança; parece atacado pela doença de São Guido. Imaginem, há menos de quinze minutos, eu estava com pena da pobre coitada que dançava com ele. E agora eu é que vou ser a pobre coitada. Não é mesmo um mundo muito pequeno?”.
As duas autoras aludem à folclórica figura da mulher à beira de um ataque de nervos ao esperar um telefonema daquele cara (mais uma coincidência?). Uma começa com fibra e termina em um padronizado:
“Por que acreditamos tão pouco em contratempos e ficamos a imaginar o pior? Simples: porque estamos apaixonados. Acontece com as melhores cabeças”.
A outra termina com:
“Vou contar de cinco em cinco até quinhentos. Bem devagar e sem pular um número. Se ele não me telefonar até lá, eu ligo pra ele. Vou, sim. Ah, por favor, meu Deus, meu querido Deus, meu Pai que está nos céus, faça com que ele me telefone antes disso. Cinco, dez, quinze, vinte, vinte e cinco, trinta, trinta e cinco...”.
Medeiros:
“Naturalmente, a conclusão é que sempre é preferível viver a história até o seu desfecho natural, ou seja, até o desaparecimento do amor, mas dificilmente isso acontece em sincronia”.
Parker:
“Quando estiver em seus braços
Trêmula, ofegante
E ele jura imortais laços
E infinita paixão – Minha filha, atenção: um de vocês está mentindo”.
Uma, afaga: “Não cultive o rancor. Se não quiser mais conviver com quem lhe fez mal, não conviva, mas não fique até hoje armando estratégias de vingança. Perdoe”. A outra, morde: “Ela sabe falar vinte e quatro línguas. E não consegue dizer não em nenhuma delas” (Parker, sobre uma dama da alta sociedade Nova York dos anos 20).
De tudo isto, aprendemos também que uma tentou o suicídio mais de uma vez e morreu na amargura do esquecimento. A outra ainda vai bem na fotografia: um punhado de livros, prêmio Jabuti, coluna nos jornais O Globo e Zero Hora.
Mas, ainda assim, jogo no time de Ruy Castro, que afirma sabiamente no prefácio da edição brasileira de Big Loira: “Virginia Woolf, Gertrude Stein, Amy Lowell, as grandes escritoras do começo do século? Eu não as trocaria por meio copo de Dorothy Parker”. Se Ruy Castro não a troca nem por Virginia Woolf, eu também não seria louca de trocá-la por Martha Medeiros.
Martha Medeiros é aquela querida tia caridosa que se encontra na sala, descascando laranjas e ajudando os sobrinhos com a lição de casa; enquanto você observa pela janela Dorothy Parker, uma outra tia, solteirona e caricata, caminhando trôpega a caminho do ponto de ônibus, que pisa na poça de lamas e dispara um belo xingamento.
A diferença entre as duas é que de uma você espera os maiores afagos e geralmente os têm, enquanto a outra faz o mundo sorrir e morrer quando bem quer. É a tia-boa e é a tia-trôpega. É o cotidiano e é a boca suja.
Com uma, você conversa adoravelmente. Da outra, você não se esquece jamais – virou até filme.
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